23 fevereiro, 2008

Janela da Alma


Esses dias, entre uma soneca e outra na locadora, no período da manhã, assisti o documentário "Janela da Alma".

É uma coletânea de depoimentos de pessoas que tem alguma deficiência visual, desde a cegueira total ao uso de óculos de grau e da sua relação com o mundo através da sua visão (ou não).

O Documentário conta com depoimento de 19 pessoas, dentre elas, citarei apenas as 2 que me fizeram achar que o filme vale a pena: José Saramago e Wim Wenders.

Na verdade, na verdade, pra mim só essa frase do Wim Wenders aí embaixo já valeu o filme.


"We have too much of many things these days. And the only thing we don't have enough is time. And too much of everything means you get numb. The overflow of images today means that, basically we are unable to pay attention. Stories have to be extraordinary to touch us today, because simple stories, we just can´t see them anymore."

[Wim Wenders]

Uma tradução livre: "Temos muito de muitas coisas hoje em dia. E a única coisa que não temos é tempo. Se você tem muito de tudo você fica insensível. A abundância de imagens hoje em dia significa que, basicamente nós não somos capazes de prestar atenção. Histórias tem que ser fantásticas para nos tocar hoje em dia, porque histórias simples, nós não conseguimos mais vê-las."

Bem, isso é tema recorrente nas conversas com os amigos na praia, nos bares, nas casas: A agonia de ter tanta informação disponível, e de ter estímulos cada vez mais fortes vindos de todos os lados, da televisão, dos jornais, do cinema.

Nós precisamos cada vez mais de maiores doses de tudo. Um filme que nos metia medo há 10 anos hoje é história da carochinha, um jogo de videogame que nos divertia na infância, hoje parece ter sido feito por homens da caverna.

Todos os nossos sentidos estão sendo potencializados com os avanços tecnológicos. Estudos são feitos em nosso cérebro para saber como ativar esse ou aquele sentimento, como nos fazer desejar certas coisas, como nos estimular da forma correta.

E a gente consumindo tudo isso, todo dia, em doses cada vez maiores.

E a gente ficando cada vez mais insensível, perdendo a capacidade de nos surpreender, de ver beleza nas coisas simples.

Bem, eu não quero receber essas doses de anestésicos e virar um insensível, muito pelo contrário, quero cada vez mais conseguir enxergar e aproveitar as coisas simples.

E vocês?

Só pra finalizar, um trecho de "Índios", do Renato Russo (um depoimento que eu gostaria muito que estivesse nesse documentário) que eu adoro e acho que tem tudo a ver com tudo isso aí em cima:

"Quem me dera
Ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante..."

um abraço apertado,

beto.

4 comentários:

Anônimo disse...

Quando me autorizo a ser professora, costumo dizer pros alunos que o estado psicológico de quem percebe é um fator determinante: seus motivos, emoções, expectativas, etc. fazem com que capte preferencialmente determinados estímulos. E que por isso, na verdade, a percepção nunca é uma cópia da realidade. Somos bem mais acometidos pelas ilusões, que são os “erros” da percepção.

Enquanto o autista evita olhar as pessoas, o esquizofrênico quando focaliza nossos olhares parece transpassá-los! O olhar de um psicótico é fixo, profundo, desnudante... Sempre fico curiosa pra saber o que eles vêem!

Vocês já pararam pra pensar que numa interação social, o indivíduo olha o seu interlocutor mais tempo durante a fase de escuta do que de elocução? A diminuição do olhar quando a pessoa está formulando seu pensamento, na fase de elocução, poderia ter a função adaptativa de reduzir a quantidade de informação externa concomitante, favorecendo o processo de elaboração da resposta. Leiam mais em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v8n3/19970.pdf

E aquela clássica imagem nos jornais onde os menores infratores aparecem com tarja preta nos olhos, demonstra que deixamos de identificar uma pessoa, em nossa sociedade, quando simplesmente escondemos seu olhar...

Um dia atendi uma mulher com deficiência visual e ela dizia que preferia morar sozinha, porque sempre que tinha alguém com ela suas coisas sumiam, a pessoa retirava objetos e não os colocava em seus devidos lugares, já memorizados pela minha cliente. E a gente acha que os cegos precisam de acompanhantes...

Pra mim, dilatar a pupila abre mesmo a janela da alma e não gosto nem de pensar na possibilidade de perder a visão, ou a ilusão de ótica... Beto, assim como você, ultimamente também tenho pensado numa forma de fazer os olhos brilharem de novo...

Anônimo disse...

Pode ficar tranquilinho, Beto...você não tem a menor vocação pra insensibilidade...por isso a gnt te quer tanto bem.
Bjinhos

Erika disse...

Tu desde que me conhece sabe que eu adoro o Wim Wenders, né? Esses dias mesom revi Paris, Texas. O cara faz coisas com uma câmera que ninguém mais faz. Mas enfim, não conheço esse documentário. Mas falando no tema, me lembou um que eu vi, uma espécia de biografia do Jorge Luís Borges (se tu não leu ainda nada dele, vai ler) que foi ficando cego gradativamente e segundo ele, antes de ficar escuro ele via tudo em tons de amarelo. Entre outras coisas. Eu tinha aqui, vou ver se ainda tenho.

E concordo com a Ariane (que eu nem conheço): tu não tem vocação pra insensibilidade. Eu bem sei disso. Por tudo, inclusive pela época que te conheci.

Beijo

Vitor disse...

"No dia-a-dia da nossa aldeia há infelizes infartados de informação".

É, Betongas de La Mironga do Cabuletê, realmente é muita informação disponível, e é por isso que hoje em dia todo mundo já ouviu falar naquela conversa de bar, todos já leram algo a respeito daquela doença daquela menina, enfim, todo mundo já ouviu por cima algo sobre tudo! É impossível absorver essa quantidade imensa de notícias, assuntos novos, e aí a gante acaba ficando acostumado a ler manchetes. Todo mundo lê todas as manchetes do mundo, e por isso ninguém sabe nada de forma profunda; é tudo superficial, baseado nas manchetes da internet. Mas, sinceramente, não sei se eu aguentaria viver sem essa ruma de coisa tudo ao mesmo tempo agora, macho véi. Abraço.